Benedita, são exemplos de vitória, sabedoria e vitalidade
Elas têm quase um século de vida. Enfrentaram o preconceito e tempos difíceis para criar os filhos, manter o casamento e, porque não, trabalhar fora. Porém, essas dificuldades não ocupam lugar de destaque quando Carmen Lopes, de 98 anos, e Benedita da Costa Lima, de 99 anos, resolvem contar suas estórias de vida. Com experiências bem diferentes, são uma lição de sabedoria. Por uma coincidência do destino, essas duas mulheres passaram a dividir a mesma casa, em Sorocaba, há oito meses. Lá vivem seus filhos, Sérgio Marcus Lopes, de 73 anos, e Zeni Lima, de 67 anos, que são casados. Uma pequena dificuldade de audição ali e a memória que já começa a falhar do outro lado ainda não foram suficientes para abalar a vitalidade das jovens senhoras, que, como todas as mulheres, mantêm as mesmas preocupações: o bem-estar da família e dos filhos.
A rotina de Carmen e Benedita é bastante ligada às atividades domésticas. Ambas ainda têm saúde para viver independentes. Cuidam de seus pertences e até do controle do horário para tomar os remédios. Uma televisão de tela grande, na sala, garante o entretenimento. Porém, engana-se quem pensa que a programação resume-se às novelas. Elas gostam mesmo é de assistir às notícias. Até discutem política. Novelas, só mesmo as de época. Essas mais modernas elas não gostam, falou Sérgio. E foi fácil de comprovar numa breve conversa com Carmen sobre a situação do Brasil. Está acontecendo muita coisa errada. Aquele Arruda, lá em Brasília..., falou. Já Benedita preocupou-se mesmo com o terremoto no Haiti. Como grande matriarca que é, queria saber com precisão a posição geográfica do país para ter certeza de que nenhum dos filhos, 43 netos, 60 bisnetos e 11 tataranetos, além de genros e noras, estavam por perto.
A cada 15 dias, Carmen, que tem três netas e dois bisnetos, faz questão de visitar o salão de beleza para arrumar o cabelo e fazer as unhas. Sua disposição é de causar inveja. Não recurso convite para uma festa. A dela, este ano, de 99 anos, já está marcada para acontecer em Belo Horizonte (MG), onde está boa parte da família e para onde ela vai de avião. É mais rápido. Outra ocasião que terá sua presença garantida é a comemoração dos 100 anos da amiga Benedita, numa festa, em junho, por conta do aniversário a ser completado no próximo dia 6 de maio. Vale a pena viver enquanto tiver a razão e conseguir aprender, diz Carmen.
A grande conquista da mulher foi a independência
A paulistana Carmen comemorará 99 anos de vida no próximo dia 18 de março. Quem ouve a firmeza com que a mulher de cabelos brancos conta sobre sua vida tem a certeza de que ela foi precursora de muitas conquistas femininas. Em plena década de 30, ela já ocupava uma vaga de secretária no Serviço Nacional de Febre Amarela do Ministério da Saúde, onde fez carreira e se aposentou. Casou-se com 25 anos, após sete de namoro, necessários para que o marido terminasse a Faculdade de Medicina. Quando seu único filho, Sérgio, tinha apenas quatro meses, um ano após seu casamento, o esposo pegou pneumonia de um paciente, não resistiu e morreu, aos 30 anos de idade. A partir daí, a luta da jovem foi criar sozinha seu filho. Vários motivos fizeram com que ela não cogitasse, em nenhum momento, casar outra vez. Quem tem um filho não pode casar de novo. A prioridade era cuidar dele. Sérgio foi criado, como ele mesmo diz, por quatro mães: Carmen e três irmãs solteiras, que moraram todas juntas, por quase 70 anos em Belo Horizonte (MG).
Apesar de toda a discriminação e limitações que as mulheres enfrentaram no início do século passado, Carmen conseguiu construir uma história de luta, porém com muitas conquistas. Ao lado das irmãs - todas trabalhavam, inclusive em profissões até então tidas como masculinas, como a área de Contabilidade - formou um verdadeiro quartel general da família. As quatro mulheres se tornaram, juntas, as grandes matriarcas que, além de criar Sérgio, ajudaram a encaminhar na vida vários sobrinhos. E para quem pensa que Carmen achou difícil essa missão, ela minimiza. Tinha ajuda das minhas irmãs. Quanto ao direito de votar, ela diz não lembrar quantos anos tinha quando pôde ajudar a eleger, pela primeira vez, os governantes do País. Porém, se recorda que foi um momento importante. Acho que a grande conquista da mulher ao longo dos anos foi a independência de poder sair para trabalhar. Hoje, elas estão tomando o lugar dos homens, opina, com lucidez.
Há seis anos, Carmen mora na casa do filho, após a morte de suas irmãs, com quem passou a vida toda. Até os 94 anos ela administrava toda a casa, fazia compras e ainda cuidava delas, disse Sérgio, para quem o segredo da longevidade da mãe está no que ele chama de paz interior. Aos 73 anos, ele considera um grande privilégio poder viver a seu lado. É alguém que cuidou da gente e que agora podemos cuidar dela. Todos os dias aprendemos, com elas, que envelhecer é um processo e vemos, no dia-a-dia, as limitações. Isso ajuda a nos preparar para viver também essa fase no futuro.
“Nunca reclamei da vida “
Benedita nasceu no Espírito Santo e logo cedo foi viver em Minas Gerais com a família. Aos cinco anos, já trabalhava na roça. Nunca brinquei, relembra. Porém, sua maior dor foi não ter estudado, pois seu pai proibia as filhas mulheres de aprender a ler e a escrever, com medo que o conhecimento servisse para que elas mandassem cartas de amor para os namorados. Aos 15 anos, Benedita se casou. Foi só aí que deixei de acordar de madrugada. Ela e o marido tiveram 12 filhos. A rotina no sítio em que viviam era pesada e incluía atividades como matar e limpar animais para o consumo da família, tirar leite das vacas para fazer queijos e até preparar melado e açúcar com a cana colhida na lavoura. Além disso, ela tinha que cozinhar, lavar e passar, conta, com orgulho, a filha Zeni. Nunca reclamei da vida, diz Benedita, quase que como um mantra. Seu objetivo na vida - que alcançou com louvor - foi fazer todos os filhos estudarem. Eles mudavam de cidade e acabaram saindo do sítio para que os filhos frequentassem a escola, destacou Zeni. Quis dar a meus filhos aquilo que eu não tive, completa Benedita.
Depois de ver muitos deles formados - inclusive duas professoras - aos 75 anos Benedita aprendeu a assinar o próprio nome. Aos 82, ficou viúva - o que, junto com a morte de dois de seus filhos, diz terem sido as maiores dores da vida. Porém, o que poderia ser, para muitos, motivo para entregar os pontos, para ela foi diferente. Mudou-se para Viçosa (MG), para ajudar o filho mais novo a cuidar dos netos que chegavam. O bebê daquela época já tem 18 anos e há oito meses ela veio morar com a filha, em Sorocaba. Ás vésperas de completar 100 anos, ela assume que gostaria de ter sido jovem nos tempos atuais. Hoje, as mulheres vivem com muitas facilidades. Tem mulher que nem faz nada na cozinha. Minha vida foi muito dura. Não sei se hoje é melhor, mas queria ter vivido. Dentre as façanhas da mãe protetora, um episódio marcou sua vida. Foi quando um dos filhos, com 8 anos de idade, foi picado por uma cobra. Suguei todo o veneno. A atitude a fez perdeu todos os dentes, mas salvou a criança. Ter ela por perto é uma oportunidade de relembrar a infância, pois é a grande patriarca, que reúne a família. Dá sensação de segurança, de aconchego, resumiu Zeni.
Dia Internacional da Mulher também completa 100 anos
A data maior de homenagem às mulheres no mundo também comemora, este ano, um século de existência. Em 1910, a primeira conferência internacional de mulheres, realizada na Dinamarca, decidiu que o dia 8 de março ficaria marcado como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 130 operárias de uma fábrica de tecidos, em Nova Iorque, que morreram carbonizadas, nesta data, em 1857, após reivindicarem melhores condições de trabalho, tais como redução na carga horária de 16 horas de trabalho diário, equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar a mesma função) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. Porém, somente em 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas).
No Brasil, um dos marcos da luta das mulheres por igualdade de gênero foi a conquista do direito ao voto, a partir de 24 de fevereiro de 1932. Na história recente do País, a lei federal 11.340, sancionada em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, passou a garantir maior rigor das punições de agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.
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